Lars Hansen

Um dinamarquês na Madeira


Lars Hansen nasce na Dinamarca. Não sabe quando desperta para a hotelaria mas recorda que sempre teve o gosto de viajar e conhecer o mundo e outras vivências. A hotelaria vem permitir conhecer melhor o mundo, tanto quando sai como quando fala com os clientes oriundos de diferentes países.

por: Paulo Camacho

O pai trabalha em componentes elétricos num dos maiores estaleiros navais do país. Estamos no final da década de 60 e o estaleiro enfrenta dificuldades. Está à beira de fechar. 
Lá longe, a África do Sul está a recrutar técnicos especializados na mesma área na Europa. Com condições vantajosas.
Em Durban, há uma doca para reparação e manutenção que o pai de Lars Hansen conhece havia algum tempo, juntamente com um amigo, numa das muitas primeiras viagens de um navio acabado de construir, àquela cidade.

Inglês à força

Com a oferta de emprego lembra-se do que vira. Aceita logo a proposta.
Assim, o pai Lars e a esposa partem para a África do Sul, juntamente com os dois filhos. Lars Hansen lembra-se do dia em que chega da escola e o pai diz que tem de aprender, rapidamente, inglês. Espantado, pergunta a razão. O pai explica que vão deixar a Dinamarca e mudar para aquele país tão longínquo, lá no fundo do continente africano.
Lars Hansen tem sete anos e não sente grande vontade para aprender inglês, que faz através de cassetes.
Depois, tem a ideia de que África se resumia a um lugar onde as casas têm muros em redor para defesa dos animais selvagens.
Algum tempo depois, os Hansen estão a voar para a África do Sul a bordo de um avião da Pan-Am. Fica impressionado e não se esquece de ter comido a bordo um gelado no interior de uma laranja.
Chega ao destino. Fica algumas semanas em Joanesburgo para tratar da documentação, num hotel.

Drama das aulas

Quando chega a Durban, reencontra o mar e as praias. O pai volta a ver o amigo dinamarquês, que tem um percurso semelhante ao seu e que tem duas filhas.
Começa na escola. Lembra a preocupação de estar numa instituição diferente, tal como a língua.
No primeiro dia, Lars e o irmão vão para a escola juntamente com as filhas do amigo do pai.
Entra na escola e conta com o apoio da filha mais nova do casal amigo, que traduz o que os professores dizem. Além disso, os seus colegas brincam com a língua diferente de Lars.
Num intervalo do almoço vê um grande aglomerado com grande parte dos 500 alunos a olharem numa direção. Curioso vai ver o que se passa. Vê o irmão a correr para casa, porque está cheio da escola.
Mas neste mundo completamente diferente consegue adaptar-se à cidade que considera linda e ainda hoje cheia de grandes potencialidades para o turismo.
Lá fica 12 anos na escola.
O último ano escolar tem como disciplinas base inglês e africanse (as línguas oficiais da África do Sul), geografia, matemática, arte, história e ciências. Para entrar na universidade tem de superar todas elas.
Termina a escola em 1980 com notas suficientes para entrar na faculdade. A maior parte dos colegas segue os cursos tradicionais de medicina, economia e gestão e direito. Lars Hansen sobressai por ser o único entre os cerca de 100 que deixam a escola que quer seguir turismo e hotelaria.
No país apenas há uma escola para esta área. Fica em Joanesburgo.

Fim da lista

Quando faz a inscrição, defronta-se com um contratempo. Por não ser sul-africano tem desvantagens. Vai para o fim da lista. Existem 60 lugares para 600 candidatos. Dizem, sem rodeios, que é melhor esquecer porque não tem qualquer hipótese.
Fica triste.
Mas o mundo dá muitas voltas. Lars Hansen é um brilhante jogador de polo aquático na escola e nos “old boys” (os que já tinham saído da escola). Alguns jogam na seleção do país. Ainda jovem aluno tem o privilégio de entrar na primeira equipa dos “old boys”.
Treina intensamente. Começa às 14.30 horas, depois da escola, com a equipa da escola, de que é “capitão”, na categoria de sub-19. Às 17 horas começa com os mais velhos, até às 19.
Cloro na cabeça
A brincar, quando algo não sai muito bem nas aulas, dizem que tem cloro a mais na cabeça.
Entretanto, o “capitão” dos “old boys” diz que trabalha para uma seguradora proprietária de um dos melhores hotéis na África do Sul. E como sabe da pretensão de Lars diz que vai perguntar qual a oportunidade de lá entrar.
Semanas depois responde que estão a recrutar pessoas no hotel para o primeiro curso na área de hotelaria, na África do Sul, para chefias intermédias. Consta da componente prática, com trabalho no hotel. No final do ano vai à escola hoteleira fazer os exames. Recebe os certificados na mesma como se frequentasse a escola, mas beneficia da componente prática.
Assim acontece. Algum tempo depois está a fazer entrevistas para o Royal Hotel, em Durban. Um cinco estrelas muito elegante, a meio da cidade. Disponibiliza 540 camas (270 quartos) e 15 salas de banquetes. É um local que Lars Hansen considera fantástico.
Vai às entrevistas e logo lhe dizem que existem mais de 50 candidatos para dois lugares. Isso não o demove. Passa todas as primeiras fases até que há necessidade de chamar os pais para saber se conheciam as intenções dos filhos. Durante os três anos do curso, teriam de apoiar os estudos dos filhos, já que o hotel pagava o mínimo. Nessa altura, os pais estão separados. A mãe vai viver na Namíbia e o pai muda para outra cidade no próprio país. Surgem contratempos para conseguir uma oportunidade de juntar os pais na altura pretendida devido a dificuldades de ligação para a Namíbia.

Quatro para dois

É então encontrada uma solução. Apreciá-lo, segundo o que fez até aí. Fica triste e começa a ver que pode perder a oportunidade da sua vida. Mas o que havia demonstrado até à altura é suficiente.
São escolhidos quatro elementos para fazer três meses e ver quais os dois que seguem em frente.
Numa semana já tinha saído um candidato. Mais algumas e lá foi o outro. Lars completa o curso de três e aprende todo o mecanismo do hotel. Além da parte teórica, ganha muito com a prática diária.
No final do ano tinha de saber fazer tudo, desde a confeção de um prato à gestão, passando pela receção, entre outras vertentes da hotelaria. São seis semanas que coincidem com o período de férias dos alunos normais da escola.
Contudo, os dirigentes da instituição começam a aperceber-se que os alunos dos hotéis que faziam exames no final do ano davam maior preparação aos alunos.
Por isso, o curso continua e amplia-se.
Terminado o curso, o diretor do hotel convida-o para chefe de compras. É uma secção com problemas. Lars Hansen tem a missão de a endireitar durante um ano.

Regresso às origens

Na sua mente está sempre a intenção de fazer um curso internacional para saber mais e comparar o que faz a hotelaria comparativamente à África do Sul.
Contudo, sai nova legislação. Lars Hansen tem de deixar a hotelaria e ingressar, durante dois anos, na tropa. A ideia não o agrada e não aceita ficar, apesar de considerar que a posição governamental estava correta.
Dão-lhe três meses para sair do país. Isso força-o a procurar novo emprego.
Estamos em 1984. Regressa à Dinamarca. A mãe alerta para o facto de haver muito desemprego. Lars responde que quem pretende trabalhar sempre o encontra.
Vai de porta em porta entregar o currículo e falar com o chefe de pessoal.
Muitos dizem que tem qualificação a mais para entrar.
Mas consegue entrar no Sheraton. Fala com o diretor de pessoal. Entretanto, o subdiretor, que tem um gabinete perto, sai e pergunta-lhe qual o hotel em que trabalhou anteriormente. Conhecia a unidade e reconhece que é excelente.

Sheraton

Três dias depois tem a oferta para ser chefe de portaria à noite. Não é o local que pretende, mas sempre é um início.
O hotel de luxo tem 90 quartos e é o maior de Copenhaga. Tem um restaurante e um bar muito famosos.
Faz nove meses de porteiro à noite. É promovido para um novo hotel que o Sheraton tinha conquistado na Noruega. Vai para Oslo dirigir a contabilidade na área das comidas e bebidas.
Lá fica um ano antes de ser promovido para director de comidas e bebidas.
Depois entende que é altura de partir para novas experiências. A China está nos horizontes. É aceite para trabalhar. Contudo, da Ásia telefonam a pedir que espere seis meses por atrasos na abertura do hotel.
Em resposta diz que não dá para esperar. Procura outro destino.

A Madeira

Pela primeira vez vem parar à Madeira. Os comendadores Joe Berardo e Horácio Roque, tinham acabado de comprar o grupo Siet Savoy em 1987 e pretendiam introduzir alterações nas unidades como o Savoy.
Vem para a ilha como diretor de comidas e bebidas. Trata-se de uma situação que acontece devido ao agente que vai procurando novas oportunidades. É uma figura idêntica à dos jogadores de futebol. Lars não tem de pagar nada ao agente, o que já não acontece com a empresa contratante.
Neste ano 1987 toma conhecimento do Savoy, e são feitas mudanças.
Das recordações que tem desse tempo encontram-se os empregados e os clientes. Considera que hotéis à volta do mundo existem muitos e bons. Mas a componente humana faz a diferença no Savoy. Lars Hansen diz que lhe faz lembrar o primeiro hotel onde havia trabalhado, em Durban. Encontra o mesmo espírito.

Aprender português

Aprende o português, que hoje fala fluentemente.
No primeiro ano vem solteiro. No seguinte traz a mulher, com grandes dotes culinários, que conheceu na sua passagem pela Noruega.
Passados dois anos, não havia mais desafios para Lars, o que vai contra o seu espírito empreendedor.
Surge nova oportunidade. É nas Caraíbas. Vai e encontra um hotel em Antígua, com empregados desinteressados.
O próprio hotel era sujo e o seu diretor desmotivado.
Lars Hansen cedo começa a pôr ordem na casa, ao mesmo tempo que procura outro lugar para trabalhar.
Depois de três meses encontra novo trabalho. Na China, num hotel que abria, que não era aquele que esteve para ir anteriormente.
Pede a demissão da unidade das Caraíbas. O chefe tenta desmotivá-lo. Reconhece que há muito a mudar. Está disposto a mudar e oferece o cargo de diretor-geral. É a primeira oportunidade para desempenhar tal cargo.

Viagem para a China

Mas decide sair. Responde que ainda não está pronto para ser diretor-geral.
Parte para a China, em 1989, depois dos acontecimentos da praça de Tiananmen.
Entra para o Crowne Plaza Beijing como diretor de comidas e bebidas. É o primeiro hotel da cadeia americana a implantar-se naquele país.
Lá aprende muito sobre as diferenças entre o leste e o oeste. Vê igualmente como funciona uma sociedade com “cara de socialismo e cabeça de capitalismo”.
Por lã fica durante dois anos, no primeiro cinco estrelas abaixo de 750 quartos. O hotel tem 300 quartos.
É convidado, novamente, para dirigir o Savoy, na Madeira, como subdiretor.
Desta vez, tem o aliciante de ter em projeto o novo hotel inaugurado em abril de 2002: o Royal Savoy.
Fica como subdiretor, por dois anos. Nasce a primeira filha, a Gabriela.
Mas as coisas não vão como pretende. É convidado a voltar à África do Sul para o hotel de origem: o Royal. Como diretor-geral. Aceita. Entre 1995 e 1997 é diretor-geral do 5 estrelas, numa altura em que comemora 150 anos.
Encontra uma África do Sul diferente, alterada do dia para a noite, com situações opostas ao tempo do ‘apartheid’, mas mais radicais ainda.
Entretanto, deixa África para gozar umas férias, num navio de cruzeiros, na Noruega, bem perto da sua Terra Natal. Toca o telemóvel. Do outro lado estão os comendadores. Convidam a regressar ao Funchal e ao Savoy para concretizar o que havia sido delineado anteriormente. É um grande desafio que contempla a perspetiva da construção do novo hotel, que hoje é o Savoy Palace. Regressa como diretor-geral.
Durante tudo este tempo, Lars Hansen não esquece o grande suporte que tem permitido ter sucesso na vida: o apoio a 100% da mulher. Diz que nunca poderia enfrentar os desafios que teve pela frente sem o apoio familiar. Um apoio que implica sacrifícios, tirando férias quando os outros já as gozaram.
Além de diretor hoteleiro, Lars Hansen fez parte do conselho de administração da ‘Summit Hotels & Resorts’, uma marca de requinte e prestígio internacional. Ali esteve entre 1998 e 2003.

A promoção de Lars

Foi o diretor-geral do Grupo Savoy entre dezembro de 1997 e junho de 2003, um período durante o qual nunca nos esqueço a forma mais brilhante que jamais vi alguém fazer para promover a Madeira, sobretudo a cidade do Funchal.
Um dia estava a acompanhar o Lars numa ação de promoção do Savoy. Era lá em cima, no antigo edifício, o histórico Savoy, num grande terraço a nascente. O espaço era amplo, com vista privilegiada para a cidade do Funchal. Ali estava um grupo de representantes de operadores turísticos. Penso que só mulheres. Ouviam atentamente o então diretor-geral a falar pausadamente para que sorvessem cada palavra, cada ideia, cada mensagem.
Fiquei boquiaberto com a forma como “transportou” para uma cena imaginária aquelas dezenas de profissionais do turismo, estrangeiras. Num estalar de dedos, “levou-as” dali para a quadra natalícia, que ainda estava bem longe.

Quadro virtual da cidade

Fê-las interiorizar a geografia única da cidade, neste imenso anfiteatro, encimado pela serra, que derrama no imenso oceano.
Os olhos delas percorreram aquele quadro pintado por Lars, procurando testemunhar a beleza ímpar do Funchal que absorviam das suas palavras.
E com aquela maneira de falar que prende quem o ouve, aumentou a fasquia. Através de um passo de mágica, afastou o sol e trouxe a lua. O dia fez-se noite. Lars Hansen iluminou a noite com as luzes que dão a vida diária à cidade quando sol se põe. Uma imagem, só por si, muito bonita e cativante. Mas quis ir mais longe. Além daquelas luzes, encheu a cidade com as iluminações da quadra de Natal e de fim-do-ano. De um lado ao outro, de cima abaixo. Aquela imagem parecia bem presente, sobretudo para mim, que sabia bem do que falava.
E, para a apoteose, culminou com o lançamento fogo-de-artifício que surge por todo o lado logo que chega a meia-noite e os primeiros segundos do dia seguinte anunciam o ano novo.
O olhar delas, que o ouviam em silêncio, estava fixo, a imaginar e a vivenciar as palavras. Não escondiam a alegria.
Foi soberbo, confesso. Até hoje, nunca vi ninguém fazer uma apresentação semelhante.
Estou certo de que quiseram voltar à Madeira para conhecer o que Lars Hansen lhes mostrou virtualmente e igualmente acabaram por vender aquela imagem da capital da ilha da Madeira aos turistas que terão vindo posteriormente de férias à Madeira e ao Savoy.

Saída da Madeira

O tempo passa e deixa a Madeira em 2003.
Nesse ano, em setembro, assume o cargo de Diretor de Operações das Pousadas de Portugal, onde tem mão na estratégia de privatização, turnaround e operações, resultando em novas iniciativas rentáveis para a empresa hoteleira, com mais de 45 propriedades localizadas em todo o país e no Brasil, e com projetos de desenvolvimento em vários outros países.
Está igualmente nas operações e desenvolvimento de quatro propriedades no centros das cidades, incluindo o “flagship”, membro de Leading Hotels of the World .
Deixa o Grupo Pestana em maio de 2008.
Entre maio de 2008 e maio de 2011 foi diretor geral, do Grupo Imocom, uma empresa portuguesa com hotéis e imóveis residenciais da marca Hilton e Conrad e outros projetos turísticos em Portugal, Brasil, Argentina e Angola.
Em 2018 regressa à Madeira, ao mesmo grupo, mas agora com novo dono.

O regresso

Assume o cargo de Chief Operations Officer no Savoy Signature- Hotels and Resorts em março de 2018. Em janeiro de 2020 deixa o grupo onde foi igualmente membro do Conselho de Administração e diretor de operações de Savoy Signature- Hotels and Resorts, que opera 2 hotéis de luxo e 3 de lazer na Madeira. O seu foco principal foi o projeto principal do grupo: o hotel Savoy Palace, que abriu em meados de 2019. Uma saída que deixou, certamente, o grupo mais pobre pelo valor e experiência que Lars Hansen tem
Atualmente, e tal como o fazia desde maio de 2011, presta consultoria estratégica para empresas imobiliárias, de serviços e hospitalidade.
Lars Hansen Conhece mais línguas e fala sete.
Como “hobbies” tem o golfe, a sua paixão, e o polo aquático, desporto de que foi treinador do Nacional, que leva à primeira divisão. 


(atualizado em abril 2020)

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